Gentileza gera gentileza
Por Ana Kessler
Todos os dias, na volta da escola, ao sair da estação do metrô, passamos por uma moça que nos oferece flores. E toda vez, religiosamente, Ana Bia aponta o dedinho para uma das rosas e pergunta: "É grátis?". A vendedora abre um sorriso e lamenta: "Não, não é".
Um dia eu perguntei pra Bia por que ela insistia na pergunta se já sabia a resposta. "Gosto de ver ela rindo, mãe". E assim foi durante dez longos meses sob chuva ou luar. Pois ontem o sorriso virou sonho. "É grátis?", não era. "Mas espera aí que tenho um presente pra você", disse a moça de olhos alegres. Tirou lá do fundo do balde uma rosinha vermelha de caule curto, muito digna e perfeitinha, que se esticou toda pedindo colo. Ana Bia aninhou-a junto ao peito, "Olha, mãe!", expressão incrédula e extasiada. Um calor bom tomou conta do meu coração.
"Paciência, persistência e fé" é meu lema de vida. Eis que me encanto ao perceber que, talvez, seja também o da minha filha. Em algum lugar do seu íntimo, Ana Bia acreditava que um dia ganharia uma flor. Acreditava com fé, ausência de dúvida. Insistiu, persistiu. Esperou. E ganhou. Mais que de surpresa, o olhar dela foi de triunfo. E o meu, de amor. Amor que acendeu uma ideia.
Trinta metros adiante, paramos para comprar pães de queijo. Pedi uma porção extra. "Bia, volta lá e dá para a moça das flores, para retribuir a gentileza". A pequena saiu correndo, bem feliz. De longe vi as duas se abraçarem, trocarem cumprimentos, despedirem-se amigas. "O nome dela é Sandra", me contou, arfando. E seguimos nosso caminho, mãos dadas, "que legal isso que aconteceu, hein, filha?", conversando sobre o dar e o receber e a importância de passar o bem adiante.
Esse episódio me fez refletir. Afinal, o que é educar? Às vezes, nos preocupamos em escolher a melhor escola, o melhor curso de inglês ou com as notas do boletim. E com tantos outros aspectos mensuráveis dos quais, pelo investimento, esperamos um retorno. Mas deixamos de lado a poesia da vida. Os pequenos grandes momentos que formam o caráter. Esquecemos que educar é costurar detalhes. E que nós somos a linha que une os retalhos do aprendizado, peças estas que formarão o manto moral que nossos filhos vão vestir.
Ana Bia vivenciou hoje que gentileza gera gentileza. Nem sempre temos uma chance como esta para ensinar. Sou grata por ter tido. Com certeza, não foi só ela que aprendeu.
*Texto publicado originalmente no blog De Mãe Pra Mãe, projeto Unilever/MSN (2012). Ao longo de dois anos, as jornalistas Ana Kessler, Adriana Teixeira e Mariana Della Barba escreveram semanalmente sobre maternidade real, sem filtros e com muito amor.
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