A Lei do Sexo Livre
Por Ana Kessler
Ser mulher é uma conquista. A gente nasce mulher, mas para exercer a plenitude do gênero, ainda hoje, é preciso ter peito. Não estou falando daquele turbinado adquirido em clínicas de cirurgia plástica. Refiro-me à coragem, à ousadia, a não ter medo de reivindicar direitos que na lei são para todos, mas nas entrelinhas só beneficiam aos homens: a lei do sexo livre. Nunca ouviu falar dela? Pois é, a maioria das mulheres nem sabe que ela existe e que dela são beneficiárias. Mas é bom começar a divulgar. A lei diz mais ou menos o seguinte:
Toda mulher tem o direito de usufruto do próprio corpo. Isso significa que ela pode usar e abusar das suas curvas e orifícios seja para dar, emprestar, alugar ou vender. Só a ela compete avaliar o que é ou não um bom negócio. O que é ou não seu desejo. Quem merece ou não a sua entrega. O que vai ou não lhe dar prazer. Se quer qualidade ou quantidade ou as duas coisas, ou nenhuma, em separado ou tudo ao mesmo tempo. O corpo é dela e o juízo, ou a falta dele, também.
Toda mulher tem o direito de vestir roupas provocantes e sensuais e minimalistas para se sentir bem, ou por qualquer outro motivo, seja vaidade, carência, por moda ou questão de estilo, sem necessariamente estar “pedindo” a um homem para atacá-la, agredi-la, violentá-la, violá-la, estuprá-la, chamem como quiser. Para pedir temos a boca. Falar também é um direito da mulher.
Toda mulher que é também mãe tem o direito de não gostar de dupla jornada, de chegar em casa cansada e colocar os pés pra cima, tomar um banho, relaxar. Se der sorte, tem direito também a uma massagem. E beijo na boca, no pescoço e o que mais a criatividade do outro aflorar e ela permitir. Toda mãe tem o direito de presentear a filha com um carrinho e o filho com uma boneca sem ter que ouvir comentários desestimulantes ou piadinhas maliciosas. Meninos não viram pais? Meninas não dirigem? A igualdade dos sexos virá através de uma educação igualitária. E toda a mãe tem o direito de tirar férias de suas crias sem culpa. Para simplesmente ser mulher.
Toda esposa tem o direito de não estar a fim de transar com o marido, assim como, ao contrário, tem o direito de sugerir, fantasiar, realizar os próprios fetiches. Toda mulher tem direito de não gostar de cozinhar, passar, lavar, ou amar fazer tudo isso, mas só quando achar que vale a pena para si ou para terceiros. De administrar a energia que sobra do seu dia e canalizá-la para o seu apetite sexual, se essa for a sua vontade. Se isso incluir o parceiro ou parceira, bom para os dois. Caso contrário, o prazer solitário é mais que um direito: é amor-próprio.
Toda mulher tem o direito de escolher uma rotina sexual remunerada, como profissão, ou não remunerada, como opção de vida – uma espécie de trabalho voluntário. Toda mulher tem direito a dar mais que chuchu na serra, seja em sonhos ou no mundo real, seja casada ou solteira, viúva, desquitada, para a mesma pessoa ou para várias, para o marido, o namorado, o amigo, para um conhecido ou um desconhecido, para um cliente, para o mesmo sexo ou diferente cor, conforme os compromissos que assumiu consigo mesma, com algum cartório, com sua consciência e seu travesseiro.
Toda mulher tem direito a ter opinião própria e não ser induzida a agir e pensar mecanicamente. A se vestir mecanicamente. A se comportar feito um robô. Tem o direito de ser o que é e não o que querem que ela seja. Gorda, magra, loira, morena, baixa, alta, negra ou branca, tem o direito de fugir de estereótipos e de dar e receber prazer sexualmente independente de padrões preconcebidos. Toda mulher tem o direito de amar. E de se amar.
Toda mulher tem o direito de contar com a solidariedade das outras mulheres. Na prática não é muito o que acontece, infelizmente. Se nós, mulheres, soubéssemos calar em vez de caluniar, entender em vez de condenar, aceitar as diferenças em vez de repeli-las, a nos enxergarmos como aliadas em vez de concorrentes, se fôssemos mais unidas, talvez o mundo tivesse menos espaço para as desigualdades entre os sexos e não precisássemos sair queimando sutiãs em praça pública para nos fazer notar. Não podemos andar sem camisa no verão, mas um dia a gente chega lá.
Sexo não é só o que se faz. Sexo é o que se é. E o que a gente conquista. Eu, Verônica Volúpia, pratico o sexo livre. E você?
*Trecho do livro O Diário de Verônica Volúpia - Estação Verão (Vol. 1 ) - E-book AQUI
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